Poze do Rodo: 7 pontos para entender as acusações contra o MC e a carreira musical dele até agora
Cantor carioca tem quase 6 milhões de ouvintes mensais no Spotify. Ele é acusado de apologia ao crime e de envolvimento com o tráfico de drogas, mas se diz i...

Cantor carioca tem quase 6 milhões de ouvintes mensais no Spotify. Ele é acusado de apologia ao crime e de envolvimento com o tráfico de drogas, mas se diz inocente. Poze do Rodo foi preso em um condomínio no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio Reprodução/ TV Globo Preso no dia 29 de maio e solto nesta terça-feira (3), MC Poze do Rodo é um cantor carioca que tem quase 6 milhões de ouvintes mensais no Spotify. Ele é acusado de apologia ao crime e de envolvimento com o tráfico de drogas, mas se diz inocente. Abaixo, o g1 responde sete perguntas que resumem o caso e ajudam a entender a carreira artística do MC até aqui. Como é a carreira do Poze do Rodo? Qual é a ligação de Poze com facções criminosas? O que dizem as letras de Poze? O que diz a polícia? O que é o proibidão? O que quer dizer 'criminalização do funk'? O que diz a defesa de Poze? Como é a carreira do Poze do Rodo? Poze é um dos precursores do chamado "trap de cria", uma mistura de trap com funk. Ou seja, suas músicas trazem desde batidas de funk aceleradas até uma estética mais brisada de rap. O cantor começou a bombar mesmo em 2019 com o hit "Tô Voando Alto", em que ele se apresenta como "o Pitbull do funk". Desde então, Poze emplacou sucessos como "Vida Louca", "A Cara do Crime (Nós Incomoda)" e "Me sinto Abençoado". Seu primeiro e único álbum, "O Sábio", foi lançado em 2022. O disco traz feats com cantores como MC Cabelinho, Orochi e Oruam. "Ser sábio pra mim é ter a inteligência de conseguir sair de uma situação ruim e se superar pra poder proporcionar uma vida melhor pra sua família, pros seus amigos, pra sua comunidade", disse Poze na época de divulgação de '"O Sábio". "No meu álbum, vou contar um pouco da minha vida e como eu consegui dar a volta por cima, contando todas as lições que aprendi e todas as experiências que tive." Poze do Rodo em 'O Sábio' Divulgação Qual é a ligação de Poze com facções criminosas? O músico cresceu na Favela do Rodo. Na adolescência, ele se envolveu com tráfico de drogas local, comandado pela facção criminosa Comando Vermelho (CV). Em entrevista ao Profissão Repórter no ano passado, Poze comentou sobre sua atuação no mundo do crime, experiência que ele diz ter ficado no passado. "Já troquei tiro, fui baleado e preso também. E eu pensei: vou querer ficar nessa vida aqui ou viver uma vida tranquila? Então, eu foquei em viver uma vida tranquila, batalhei e hoje em dia eu passo isso para a molecada: o crime não leva a lugar nenhum", disse Poze. Quando questionado sobre sua mudança de vida, o funkeiro disse que antigamente não tinha esperanças de se tornar o MC que é hoje. "Nunca imaginei, porque no começo da minha carreira eram aquelas músicas um pouco polêmicas. Aí eu pensava que ia ser só isso ali mesmo, entendeu? Só que parece que do nada... Puff”", disse ele rindo. O funkeiro também afirmou que algumas de suas músicas antigas são "erradas" e as justificou como reflexo de sua realidade. “Nada nessa vida vai mudar minha essência cria, onde tudo começou foi com esse tipo de música. Tem umas do meu passado que eu canto, mas oriento para as crianças não cantarem. Eu tenho que ter esse controle mesmo, porque é muita criança que me me vê, né?”. Ele também disse que estava fazendo cerca de seis shows por semana, recebendo por cada apresentação um cachê de no mínimo R$ 200 mil. E ele não esconde de ninguém o prazer que tem em ostentar riqueza. “Sempre fui moleque de sonhar em ter o que hoje eu tenho. Isso aqui é cada pingo de suor que eu batalhei para ter”, afirmou ele na mesma entrevista. Poze comemora após ser solto Victor Chapetta/Agnews O que dizem as letras de Poze? Muitas letras do Poze fazem referências explícitas ao contexto violento no qual vivem as favelas brasileiras e ao modo operacional do crime no país. No funk, essa estética lírica é conhecida como proibidão. A vertente surgiu no final dos anos 1990, no Rio de Janeiro. Sua origem foi influenciada pelo rap nacional e o gangsta, subgênero americano que aborda questões ligadas ao crime e à vida nos subúrbios dos Estados Unidos. No proibidão, não é raro encontrar críticas ao Estado ou à polícia. Em "Talvez", Poze faz menção à Chacina do Jacarezinho, que deixou 28 pessoas mortas em uma operação policial de 2021. Também cita Marielle Franco, vereadora que investigava milícias da cidade quando foi assassinada a tiros, em 2018. "No morro do 18, vários não passou dos quinze/ O medo tá assombrando o povo que vem da Rocinha/ Mais de quinze morto pela chacina/ Presente do Dia da Mãe é ter o filho morto pela esquina/ E hoje não tem final feliz porque mais um se foi/ Político safado protegido pela lei/ O galo canta, mas não canta mais no Cantagalo/ Quem mandou matar Marielle? Até agora eu não sei", canta ele em "Talvez". No hit "A Cara do Crime (Nós Incomoda)", o carioca menciona temas como diferença de classes no Rio, guerra às drogas e prisão de moradores da favela. A música abre com os versos: "É o Poze do Rodo/ A cara do crime/ Ela fala que quer crime e eu sou criminoso/ Ela é da Zona Sul e eu sou cria do Rodo/ Ela fala que me ama, mas não me engana/ Que vagabundo nato não se apaixona". Já em "Eu Fiz o Jogo Virar", Poze canta uma letra em que o eu-lírico agradece a Deus por ser MC, ostenta joias e roupas de grife, fala de sexo e cita a Glock, uma arma de fogo bastante mencionada no proibidão: "Eles querem me parar/ É difícil me parar/ Sou o Poze do Rodo, o famoso trem-bala/ Sou o trem do RJ, a Mainstreet é a firma/ Se tentar contra a tropa, a Glock cospe trinta". Poze do Rodo em 'Vida Louca' Reprodução O que diz a polícia? Para a polícia, Poze usa suas músicas para fazer propaganda do Comando Vermelho, a maior facção criminosa do RJ. "Esse suposto MC que foi preso transformou a música num instrumento de dominação, divulgação e disseminação da ideologia e da narcocultura do Comando Vermelho", disse o secretário estadual de Polícia Civil, delegado Felipe Curi. "As letras enaltecem o uso de armas de grosso calibre e o uso de drogas, além de fomentar guerras e disputas territoriais com facções criminosas rivais." Curi disse também que as canções de Poze “extrapolam e muito qualquer tipo de manifestação cultural, artística ou de qualquer tipo de liberdade de expressão”. “As músicas desse falso artista têm um alcance incalculável e muitas das vezes são muito mais lesivas do que um tiro de fuzil disparado por um traficante", prosseguiu Curi. “Isso não é de hoje. De algum tempo a gente vem percebendo que o crime organizado atua no campo informacional. Eles têm cantores, MCs e influenciadores digitais a fim de criar uma falsa narrativa de que a ação deles é exemplo para a comunidade e uma necessidade social. E fomentam narrativas antipolícia." “Essas ações também serviam como um instrumento de cooptação e de aliciamento de menores para ingresso no crime organizado. E o Comando Vermelho faz isso muito bem”, emendou ele. O delegado Carlos Oliveira, subsecretário operacional da Polícia Civil, afirmou que a instituição “não criminaliza a arte e a cultura”. “Essa é uma investigação contra pessoas que usam essa arte para cooptar pessoas para cometer delitos.” "Eles se misturam para influenciar e montar uma armadilha para cooptar jovens, fazendo que a mão de obra dessas organizações não falte. Nós não falamos de questões sociais, filosóficas e ideológicas. Falamos de crimes, o que foi apreciado pelo MP e expedido um mandado por um juiz”, disse. MC Poze do Rodo no clipe 'A Cara do Crime (Nós Incomoda)' Reprodução O que é o proibidão? O fato é que letras de proibidão como as de Poze sempre foram motivo de debates diversos, que vão de glamourização da violência a demonização cultural. Não é a primeira vez que um compositor do estilo é acusado de promover ou estimular crimes, e isso leva a outras discussões como censura e limites da liberdade artística. "Qualquer hipótese que sustente um vínculo de ordem causal entre expressões artísticas e violência real não tem fundamento. Já tentaram comprovar isso, mas não se chegou a nenhuma sustentação [da teoria]", disse Salah H. Khaled, presidente do Instituto Brasileiro de Criminologia Cultural, quando entrevistado pelo g1 em 2024 para uma reportagem sobre funks que citam a arma Glock. “A realidade é uma só: a nossa sociedade é extremamente violenta”, afirmou à mesma reportagem Roberto Uchôa, que é policial federal, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e autor do livro "Armas para quem? A busca por armas de fogo. "O que essas músicas estão mostrando é o que a sociedade já vivencia há décadas.” Foi também o que disse Tamiris Coutinho, pesquisadora do gênero e autora de "Cai de Boca no Meu B#c3t@o: O Funk como Potência do Empoderamento Feminino". "Demonizam tanto o funk por falar essas questões, mas a população elegeu um presidente que fazia sinalzinho de arma em comício", afirmou Tamiris. "Eu sei, é complicado uma criança cantar sobre Glock. Devemos tomar cuidado para não romantizar isso", disse ela. “Ao mesmo tempo, se ela tá cantando aquilo, é porque tem acesso [à temática]." Salah H. Khaled enfatizou que a discussão é complexa. Ao contrário de games, por exemplo, o acesso a músicas é bem mais expandido e simples. Embora selos de “conteúdo explícito” (das plataformas digitais) estejam em parte das faixas com letras desse tipo, todas podem ser ouvidas por crianças. Ainda assim, o especialista afirmou que taxar uma música como incentivo criminal é "legalmente insustentável" e tira o foco dos reais motivos da violência. "Isso é uma forma de simplificar a discussão e redirecionar um debate que envolve questões como, por exemplo, o acesso a armas de fogo. Músicas de arma não matam. Armas matam." Outro ponto levantado pelos especialistas é o de que toda letra é composta pelo eu-lírico. Ou seja, os versos não são, necessariamente, sobre quem os canta. Além disso, por se tratar de um campo artístico, podem ter significados metafóricos — lúdicos em vez de literais. MC Poze em divulgação de 'O Sábio' seu primeiro álbum Rafael Freire/ Divulgação O que quer dizer 'criminalização do funk'? Discursos que acusam o funk de estimular à violência fizeram o gênero ser tratado com censura. Em 2008, a realização de bailes funk nas favelas cariocas se tornou alvo das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), que durante anos inviabilizaram os eventos. Em 2017, um projeto legislativo definia o funk como "um crime de saúde pública". O texto chegou ao Senado, mas foi rejeitado. Dois anos depois, um levantamento publicado pelo g1 mostrou que, só naquele ano, a Polícia Militar havia feito pelo menos 7,5 mil operações contra pancadões no estado de São Paulo. Em 2025, um projeto de Lei pediu a proibição na contratação de shows, artistas e eventos abertos ao público infantojuvenil "que envolvam, no decorrer da apresentação, expressão de apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas". O projeto ficou popularmente conhecido como "Lei Anti-Oruam", em referência ao rapper de mesmo nome. "Eles sempre tentaram criminalizar o funk, o rap e o trap. Coincidentemente, o universo fez um filho de traficante fazer sucesso, eles encontraram a oportunidade perfeita pra isso. Virei pauta política", disse Oruam na época. Em 2019, durante um show em Sorriso (MT), Poze do Rodo foi preso por apologia ao crime, mas acabou absolvido ao fim do processo. No ano seguinte, ele lançou "Mc Não É Bandido", em que canta versos como: "Tentaram me parar/ Tentaram me impedir/ De fazer o melhor pra minha família sorrir/ Minha filha 'tá crescendo/ Meu filho vindo aí/ E Deus não deixou tirar a liberdade de mim/ O Pitbull 'tá na pista, atura/ Voando nas alturas/ Ser livre é a melhor coisa". Poze do Rodo no Rock in Rio Reprodução/Bis O que diz a defesa de Poze? Toda pessoa que entra no sistema penitenciário fluminense precisa preencher uma ficha com informações básicas sobre a prisão. Um dos campos, “ideologia declarada”, diz respeito à facção à qual esse preso diz ter ligação. Após ser preso na semana passada, Poze do Rodo marcou a opção Comando Vermelho. Não se trata de uma confissão de culpa: a fim de evitar conflitos, as cadeias do RJ também são divididas entre facções. Uma unidade, por exemplo, abriga só presos declarados do Comando Vermelho, longe das alas que recebem os rivais do Terceiro Comando Puro. Com a declaração, ele foi levado para a Penitenciária Serrano Neves, conhecida como Bangu 3, no Complexo de Gericinó, uma das unidades prisionais onde estão membros do CV. “O sistema penitenciário divide presos provisórios e sentenciados por critérios determinados em relação a comunidades de origem ou supostas relações com determinações territoriais. Essa prática via de regra pretende garantir a segurança e ordem de celas e galerias, evitando a ação de terceiros", afirmou a defesa de Poze. "Alguém que teme ser confundido ou tido como participante de determinada denominação, via de regra é orientado a dirigir-se a mesma para evitar tumulto, sendo medida de segurança para si e para outros. Esta prática, todavia, em nenhuma hipótese, traz ou poderia trazer qualquer grau de certeza sobre afiliações, associações ou qualquer vínculo do gênero." "A preocupação maior é estar diante de uma ação policial completamente espetacularizada e diversos atos de abuso de autoridade cometidos pela Policia Civil, como uso indevido e desnecessários de algemas, busca e apreensão fora dos limites legais com subtração de bens não especificados, como as joias que o próprio Poder Judiciário deixou na posse do artista em outra investigação, assim como a exposição cinematográfica de uma prisão temporária, cujo objetivo ideal é garantir investigação, cujo sigilo e lisura, próprios do interesse de um serviço público que deve ser conduzido com inteligência, foram completamente escanteados com a realização de coletivas de imprensa e entrevistas sobre dados da investigação que sequer foram revelados no pedido cautelar", finalizou a nota. No Rio de Janeiro foi preso o MC Poze do Rodo investigado por envolvimento com o tráfico de drogas