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Travessias de Letieres Leite entre o estudo e o divino são celebradas em filme que explica o legado do maestro

A ótima produção sobre o artista baiano é uma das atrações da 17ª edição de festival de documentários que acontece em São Paulo entre 11 e 22 de junh...

Travessias de Letieres Leite entre o estudo e o divino são celebradas em filme que explica o legado do maestro
Travessias de Letieres Leite entre o estudo e o divino são celebradas em filme que explica o legado do maestro (Foto: Reprodução)

A ótima produção sobre o artista baiano é uma das atrações da 17ª edição de festival de documentários que acontece em São Paulo entre 11 e 22 de junho. Imagem do filme ‘As travessias de Letieres Leite’, documentário de Iris de Oliveira e Day Sena Reprodução / Vídeo ♫ OPINIÃO SOBRE DOCUMENTÁRIO MUSICAL Título: As travessias de Letieres Leite Direção: Iris de Oliveira e Day Sena Cotação: ★ ★ ★ ★ ♬ No dia do enterro de Letieres dos Santos Leite (8 de dezembro de 1959 – 27 de outubro de 2021), artista baiano morto aos 61 anos em decorrência de covid-19, a agenda da banda Pradarrum – criada pelo percussionista Gabi Guedes para difundir a musicalidade ancestral dos terreiros de Candomblé – previa compromisso que foi cumprido. Integrante da equipe técnica do grupo, Washington Santana conta que, do nada, uma borboleta branca pousou no estúdio e sobrevoou cada ritmista da Pradarrum. Exposta quase ao fim do documentário As travessias de Letieres Leite, cuja première nacional integra a programação da 17ª edição do In-Edit Brasil – Festival internacional do documentário musical, a fala de Washington Santana realça o quanto de divino havia no trabalho de Letieres, um maestro, arranjador, percussionista, saxofonista, educador e compositor soteropolitano que expandiu o universo afro-brasileiro da música percussiva da Bahia ao integrá-la com a linguagem do jazz na orquestra Rumpilezz, big band de percussão e sopros cujo nome aludia à fusão do jazz com os três atabaques (rum, rumpi e lé) percutidos no Candomblé. Ninguém nega a força da espiritualidade que regeu a travessia de Letieres Leite. Contudo, o filme de Iris de Oliveira e Day Sena enfatiza o quanto de estudo e de método havia na maestria do maestro. Nesse sentido, o documentário As travessias de Letieres Leite dá conta de explicar o percurso e o legado do artista. A rota é explicada pelo próprio Letieres em entrevista inédita que atravessa os 90 minutos do filme realizado pela produtora Janela do Mundo. Nessa entrevista, que domina todo o primeiro terço do roteiro, Letieres lembra da importância de, ainda na infância vivida no centro de Salvador (BA), ter se encantado com blocos carnavalescos orquestrados pelo maestro Nelson Maleiro (1909 – 1982), como Os Cavaleiros de Badgá, criado em 1959 com dissidentes do bloco anterior Mercadores de Bagdá, formado em 1953. Os blocos – caracterizados por Letieres no filme como “agremiações rítmicas” – foram a porta de entrada do futuro músico no reino do ritmo, senhor da razão na travessia do maestro. Ritmo que pede movimento do corpo. “Não consigo ver som sem imagem”, revela Letieres em fala do documentário que ajuda a entender a dinâmica do arranjador – ofício que o maestro aprendeu na prática quando foi para Porto Alegre (RS) em 1981 – nos estúdios de gravação de discos e ensaios de shows. Como arranjador, trabalho que compara ao de um alfaiate por vestir cada música com a roupa mais adequada e vistosa, Letieres teve grande importância na música baiana rotulada como axé music e se conectou com grandes nomes da música brasileira como Maria Bethânia e Ivete Sangalo. Nas entrelinhas, aliás, o filme deixa subentendido que houve embate com Bethânia na condução do álbum de 2019 em que a cantora exaltou a escola de samba Mangueira. “O arranjador acende as luzes de cada instrumento. É como se ele acendesse as luzes da cidade”, poetiza Russo Passapusso. “O arranjador é o pós-compositor. Ele ergue castelos”, corrobora um não menos poético Lenine, que também vê no som de Letieres “a coisa do divino”. A manifestação de qualquer divindade veio acompanhada de muito estudo e da busca por um método. Em 1985, o artista foi estudar no Konservatorium Franz Schubert, em Viena, na Áustria, pais onde morou por quase dez anos. De volta a Salvador em 1994, Letieres montou a Academia de Música da Bahia, escola-laboratório para as pesquisas do artista na busca incessante de um método. Pelo estudo, Letieres chegou à conclusão de que há uma clave rítmica matriz que gera quase todo o tipo de samba feito no Brasil. Em que pese o forte acento didático do roteiro, necessário para reiterar que o divino se manifestava em Letieres Leite através do exercício de um método burilado pelo maestro, o documentário prende a atenção porque ilustra a teoria com a prática, exemplificada por trechos dos luminosos shows da Orkestra Rumpilezz, expressão mais fascinante da maestria e do legado vivo de Letieres dos Santos Leite. Letieres Leite em take do filme que estreia na 17ª edição do In-Edit Brasil – Festival internacional do documentário musical Reprodução / Vídeo

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